Novos refugiados: a homofobia na África

FonteSalon.com

Autoria: Naomi Abraham (*)

Introdução e TraduçãoLuiz Henrique Coletto

— Também publicado em Bule Voador.

Sentimento antigays na África está criando um novo tipo de refugiado. Foto: James Akena/Reuters

Numa coluna escrita há alguns anos, o jornalista Marcelo Canellas comentava que inúmeras vezes o tema da exploração sexual de crianças no nordeste brasileiro era pauta do jornalismo. A cada matéria seguiam-se os comentários sociais e políticos, a revolta diante do fato. Logo depois, esquecia-se o assunto. Canellas comentava, então, que uma nova matéria voltava a reacender discussões e revoltas, dando a impressão de que algo de “errado” estava ocorrendo. O grande fato é que a exploração segue a mesma entre uma matéria e outra. E este parece o curso de tantas outras questões sociais, realçadas sazonalmente por uma matéria ou série especial produzidas pelo jornalismo (que, verdade, não tem outro algo a fazer).

O texto abaixo da jornalista Naomi Abraham trata de um tema já conhecido aqui no BV: a acentuada perseguição de homossexuais em diversos países do continente africano – já retratada aqui e aqui pelo Bule. Talvez a abordagem de Abraham vá além por dois aspectos centrais: tratar especificamente do tema dos refugiados e colocar o dedo numa ferida transcultural que nos diz muito respeito aqui no Bule: a influência dos setores mais conservadores da religião nos Estados Unidos sobre estes países africanos.

O texto tem muitos méritos, a começar pelo amplo levantamento que faz de organizações (dos mesmos EUA) que têm ajudado refugiados LGBTs de Uganda, Quênia e outros países. Abraham também menciona a crescente pressão sobre organismos internacionais e governos para que tratem mais formal e adequadamente do tema. Já escrevi sobre esta relação entre direitos humanos e política internacional – num texto um pouco pessimista, mas meu otimismo é que ele fique datado logo – e também sobre os primeiros esforços da ONU em tratar da homofobia em específico. Também já tratei de algo recorrente no texto de Abraham, que é a fuga para as cidades densamente povoadas que parece “perseguir” a trajetória da homossexualidade há muito tempo.

Um dos pontos centrais abordados por Abraham é a influência que grupos evangélicos dos EUA tiveram na escalada de violência contra LGBTs africanos. Ela menciona os estudos do Reverendo Kapya Kaoma sobre o tema, e sugiro este detalhado artigo dele sobre a questão (em inglês): A direita cristã dos EUA e o ataque aos gays na África. Ele também produziu, em 2009, o relatório Globalizando as Guerras Culturais: conservadores dos EUA, igrejas africanas e homofobia financiado pela Political Research Associates (PRA).

O maior mérito do texto de Abraham, entretanto, está na voz que dá a três refugiados, principalmente à de Fred, fio condutor da história narrada pela jornalista. A última frase da matéria, que é uma pergunta de Fred, inscreve bem o drama humano que sazonalmente voltaremos a abordar, infelizmente, por muitos anos.

Gays africanos fogem de perseguições

Enquanto Uganda ressuscita a legislação antigays, homossexuais procuram abrigo em outros países

Encontrei Fred pela primeira vez numa misa para homens gays numa região industrial de Nairóbi [capital do Quênia] onde, mesmo num domingo pela manhã, o barulho era ensurdecedor. O culto era uma parte estudos bíblicos e outra grupo de apoio. Os outros homens que estavam orando com Fred naquele dia num cômodo sujo e cavernoso eram quenianos, mas ele não.

Fred, um homem esguio de Uganda, tornou-se um refugiado em dezembro de 2009 após ter sido brutalmente atacado por uma turba, em Campala [capital de Uganda], pelo fato de ser gay.

Fred, que pediu para ter seu sobrenome omitido, comprou uma passagem só de ida para Nairóbi depois da agressão com a intenção de nunca mais voltar. “Está tudo bem em me matarem”, ele diz. “As pessoas ficariam felizes em me ver morto, mesmo algumas da minha família”. Eu perguntei o que ele quis dizer com “tudo bem”, e ele explicou-me que ninguém seria punido por sua morte.

Nesta última década, uma retórica odiosa antigays infiltrou-se no discurso público de muitos países africanos. Ainda na semana passada, o parlamento ugandense retomou uma proposta para legalizar a pena capital para pessoas que se envolvam em atos homossexuais. Isso é novidade na África. No passado, a homossexualidade raramente era exposta privadamente, muito menos na esfera pública. O novo tom ácido contra a homossexualidade defendido por políticos e líderes religiosos disseminou-se por todos os estratos sociais da sociedade africana, incluindo a mídia. Tal ofensiva também deu origem à crescente violência homofóbica e transfóbica, a qual, para um número cada vez maior de gays africanos, tem indicado que a vida em seus próprios países tornou-se insustentável.

A jornada de Fred de Uganda para o Quênia seguiu a mesma lógica de outros LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) africanos refugiados com os quais conversei. Eles mudam-se para centros urbanos em países vizinhos não necessariamente porque tais lugares sejam menos hostis aos homossexuais, mas por causa do anonimato que surge ao serem imigrantes numa área densamente populada.

Navi Pillay, a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos (ONU), manifestou-se publicamente em maio deste ano afirmando que crimes de ódio contra gays estão crescendo no mundo todo e que agora são responsáveis por um alto percentual de todos os crimes de ódio reportados.

A homofobia não é necessariamente uma atitude nova para muitas sociedades africanas. Ser gay é um crime em 38 dos 54 países da África. Muitas destas leis estão nas legislações desde os períodos coloniais. Contudo, é um exagero pensar, como alguns têm dito, que a homofobia é simplesmente um vestígio dos tempos coloniais.

Entretanto, alguns especialistas acreditam que a mudança para uma forma mais agressiva de homofobia em muitos países africanos, ao longo da última década, tem sua origem em doutrinação religiosa conservadora. Alguns relatórios sugerem que grupos evangélicos dos Estados Unidos tiveram participação na criação de atitudes virulentas e na violência contra gays que têm varrido todo o continente e que empurraram gays africanos para longe de suas casas.

“Foi só no final dos anos 1990 que vimos africanos, com a ajuda de grupos conservadores religiosos dos EUA, usando esta questão (homossexualidade) como uma forma de organização”, disse o Reverendo Kapya Kaoma, um padre anglicano da Zâmbia que estudou a influência evangélica dos EUA nas sociedades africanas.

Fred, que aparenta ter uns dez anos a menos que seus 48, disse que na maior parte de sua vida ele guardou sua sexualidade com extremo cuidado por medo de represálias sociais e de ficar distante de seus entes queridos. Ele viveu sua vida de modo relativamente imperturbado até 2009, quando o projeto de lei “Matem os Gays”, que tentou legalizar a pena de morte para a homossexualidade, foi proposto pela primeira vez. Fred afirma que foi neste período que começou a temer por sua vida.

Os vizinhos de Fred começaram a suspeitar que ele fosse gay e ameaçaram entregá-lo às autoridades ou a matá-lo eles mesmos. Na noite em que foi atacado, ele conta, um grande grupo de pessoas de sua vizinhança permaneceu do lado de fora de seu quarto silenciosamente esperando para conseguir a prova final de que precisavam para confirmar suas suspeitas. Quando tinham ouvido o suficiente, eles quebraram a janela do quarto de Fred e atacaram a ele e a seu parceiro.

“As pessoas não deixam seus países em busca de farra em bares gays”, afirma Cary Alan Johnson, Diretor-Executivo da organização Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas (IGLHRC). Ele acrescenta que, em lugares como Uganda, isso se dá por causa de uma opressiva sensação de medo por suas próprias vidas.

Rev. Kaoma diz que Uganda é única apenas na medida em que ganhou mais atenção internacional. Outros países africanos continuam a avançar na criminalização da homossexualidade. Isso, afirma ele, fará com que aumente o fluxo de refugiados LGBTs se a comunidade internacional não colocar pressão sobre esses governos.

Além disso, porque alguns ativistas gays africanos decidiram tornar-se mais visíveis na luta por igualdade, facções antigays tornaram-se mais veementes. Alguns ativistas pelos direitos dos gays tiveram que se esconder.

Larry, um importante ativista LGBT queniano, que agora mora no Texas após ter o asilo político concedido, foi forçado a se mudar para Uganda em 2007 depois que apareceu na emissora nacional do Quênia como um homem gay assumido. “Eu fui para Uganda porque precisava ficar disfarçado uma vez que havia diversas ameaças à minha vida”. Ele diz que escolheu Uganda por causa de sua proximidade com o Quênia e porque tinha amigos lá.

Neil Grungas, diretor-executivo da Organização para Refúgio, Asilo e Migração (ORAM), grupo baseado em São Francisco que assiste refugiados LGBTs e requerentes de asilo, afirma que mesmo não havendo nenhum meio de saber exatamente quantos refugiados LGBTs africanos existem, este é um problema em expansão. “Sabemos que está é uma questão enorme na África porque o continente tem a mais concentrada perseguição contra pessoas LGBTs”, ele diz numa entrevista por telefone.

Alto Comissário da ONU para Refugiados e o Departamento de Estado dos EUA não monitoram refugiados que são deslocados por causa de orientação sexual. Entretanto, mesmo que estes números existissem, Duncan Breen, membro sênior da Human Rights First, uma organização de direitos humanos localizada na capital Washington e em Nova Iorque, afirma que os números seriam enormemente imprecisos dado que muitos destes refugiados teriam medo de revelar suas sexualidades.

Mas aqueles trabalhando com refugiados acreditam que o fluxo de refugiados LGBTs está aumentando. Eles apontam para o Alto Comissário da ONU para Refugiados pedindo por diretrizes para lidar com refugiados LGBTs e pela provisão de treinamentos sensitivos para seus agentes de campo. Além disso, no verão passado [inverno brasileiro], o Escritório para Reassentamento de Refugiados do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA criou o primeiro centro de recursos LGBT junto à Heartland Alliance for Human Needs and Human Rights, organização localizada em Chicago que fornece serviços a imigrantes e refugiados. Sob a concessão feita pelo Dep. de Saúde, a organização deve propor práticas adequadas para o reassentamento de refugiados LGBTs nos Estados Unidos.

Por outro lado, ativistas e alguns políticos estadunidenses dizem que o governo dos EUA deveria fazer mais para acelerar o processo de reassentamento de refugiados fugindo de perseguição homofóbica. Numa carta de fevereiro de 2010 endereçada à Secretária de Estado Hillary Clinton, a Senadora Kirsten Gillibrand (Democratas de NY) e a Deputada Tammy Baldwin (Democratas de Wisconsin) solicitaram que Clinton tome medidas decisivas para proteger refugiados LGBTs, os quais são alvos de violência nos países dos quais escaparam bem como naqueles para os quais fugiram.

Danny Dyson, um dos primeiros africanos refugiados a ser reassentado nos EUA por causa da perseguição antigays que enfrentou em Uganda, foi e voltou entre Uganda e Quênia antes de sua chegada em São Francisco. “Era um pesadelo no Quênia”, disse ele. “No começo, não tive qualquer ajuda e tive que deixar o campo de refugiados em que estava porque outros refugiados começaram a me assediar por ser gay”. Dyson finalmente encontrou ajuda num grupo não governamental de ajuda a refugiados dos EUA, que pediu para não ser nomeado porque teme ser recriminado pelo trabalho que faz com refugiados LGBTs.

Dyson e Fred encontraram-se no Quênia como refugiados. Fred aguarda uma decisão do governo dos EUA para seu pedido de reassentamento. Tendo ouvido falar sobre o reassentamento bem sucedido de Danny Dyson nos EUA, ele me perguntou: “É verdade que há muitos de nós lá e que não tenho que me esconder?”

* Naomi Abraham é uma jornalista multimídia na cidade de Nova Iorque. Ela escreve do Quênia e de Uganda como parte de um projeto patrocinado pelo Centro Internacional de Jornalistas. A Fundação Ford forneceu fundos para esta reportagem.

  1. O Brasil tem alguma iniciativa de receber refugiados africanos? Talvez São Paulo. Alguém sabe?

  2. refugiados politicos na africa

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